Quando lemos uma novel com vários volumes, ou assistimos uma série com várias temporadas, vamos acompanhando os arcos que a trama desenvolve. Em uma boa obra, todos eles acabam fechados total ou parcialmente, com alguma brecha aqui e ali que sugere continuação. Mas, em algumas delas, as coisas vão ficando tão bagunçadas e sem solução que de repente surge algo do nada explicando tudo e amarrando pontas soltas pelo caminho.

A essa gambiarra dá-se o nome de Deus Ex Machina, ou “Deus que vem da máquina”, O uso do termo vem do teatro grego clássico, no qual muitas peças terminavam com um deus sendo baixado por um guindaste até ao local da encenação, para então amarrar todas as pontas soltas da história. Mas, porque falar disso?

Na sétima conferencia dada pelo Padre Kentenich no curso pedagógico de 1950 em Schoenstatt, ele comenta sobre a deserção e decadência humana na sua relação com Deus e com ele próprio. Ele diz:

“Consideremos a transição operada no século XV (…). Deus ocupava o centro e tudo que hoje sabemos e ensinamos a respeito do relacionamento do homem com Ele era vivido na publicidade (…) Tomava-se a sério a ideia de que o homem é a imagem natural e sobrenatural de Deus. A medida do homem era Deus, em torno do qual tudo girava (…). A seguir, irrompeu o cataclismo do Renascimento. A visão mudou completamente, do afastamento de Deus para a aproximação do homem. Este passou a tornar-se o centro do mundo e a medida de tudo. O homem moderno está predisposto antropologicamente”.

Na concepção atual, o centro deve ser o homem, com suas pretensas virtudes e evidentes defeitos, cultuado como tal. Isso, obviamente, implica na separação dele de Deus e de sua própria natureza como ser humano. A deserção da vocação humana, com todos os sintomas psicológicos e existenciais decorrentes dela, é só uma consequência dessa concepção.

Deserção é decadência! O afastamento de Deus, da ordem objetiva do ser, converteu-se, em quatro a cinco séculos, em horripilante decadência. Porque não pode viver sem Deus, o homem engendrou um ídolo e com isso arruinou-se a si mesmo. Ora adorou a cabeça, ora o estômago, ora a vida instintiva. Não foi suficiente”.

Não foi suficiente. Tal qual Ícaro, que desejou alcançar o Sol com asas feitas de penas coladas por cera e mel de abelha, terminando por despencar e morrer no Mar Egeu, o homem quer deter cada vez mais força e poder sobre si, no entanto, acaba cada vez mais enfraquecido pela falta de Deus.

Daí todas as doenças da alma e do pensar que o Padre Kentenich tanto falou.

O homem procura um deus na máquina. Deus Ex Machina. Um deus natimorto.

“Nos chama atenção para as imagens falsas do homem, que se formaram no decorrer de quatrocentos anos. Porém se tornaram todas tão vazias que devemos dizer: se não encontrarmos uma completa mudança de vida, retornando a imagem desejada por Deus, a natureza humana será aniquilada ou permanecerá doentia até a medula”.

O homem deveria ser imagem e semelhança de Deus, mas é imagem e semelhança da máquina. Um deus mecanicista para homens mecanicistas em tempos mecanicistas.

Sobre o Autor

Líder de Ramo do Jumas Santa Maria (RS) e estudante de Engenharia de Computação na UFSM.